Narrar uma aventura de RPG é verdadeiro exercício de
pura criatividade para o mestre, ou narrador, se assim preferir denominá-lo. É
dele o papel fundamental para que todo o jogo seja divertido ou não, bem
construído ou digno de risos memoráveis por parte dos jogadores. Bem, entre as
muitas atribuições que um narrador deve assumir, está a de observar o ambiente
em que sua narração será situada. O clima, terreno, habitantes, dentre uma
série de outros fatores serão influência para a maneira como os personagens
serão visto/tratados e quais serão os desafios que irão enfrentar perante
aquele ambiente já instalado em seu próprio contexto. O cenário de campanha é
algo dinâmico, vivo, e não depende inteiramente dos personagens para girar. Embora
estes devam ter papel atuante, e importante, no mundo onde residem suas
aventuras.
Existem diversos fatores atuando em conjunto com as
aventuras do grupo e que podem exercer enorme influência nas tramas centrais da
história. Aquele ladino, inimigo dos heróis, não ficará esperando inerte para
ser capturado; sua astúcia e conhecimentos, certamente o levarão a tomar
atitudes contra seus perseguidores, e isso pode envolver um grande líder
criminal da região, ou um grupo de perigosos orcs contratados para resolver o
problema, dentre vários outros aspectos. Um elemento, dentre vários outros, que
pode mudar completamente o clima de sua aventura é situar ela em um período de
guerra! Isso mesmo, estar no meio de um conflito exige uma série de atitudes
por parte dos jogadores que tempos de relativa paz não pediriam. E disso,
trataremos melhor logo abaixo.
Grandes - e pequenas - tropas se movimentam para o combate! |
Na grande maioria das aventuras, especialmente nas
iniciais, quando os personagens são nada mais que aspirantes a heróis, buscando
suas primeiras moedas de ouro e reconhecimento, geralmente os desafios
propostos ao grupo de jogo são bem localizados, e afetam somente uma pequena
comunidade ou mesmo uma só pessoa em particular, e não tem maior importância
para o cenário de campanha em si. Por exemplo, um pequeno grupo de kobolds
atacando um vilarejo pode ser um tormento imenso para os aldeões locais, mas de
nada importa para a capital do reino, que já possui seus problemas em escala
equivalente à sua grandeza para resolver. Continuar sendo atacados, ou salvos
dos inimigos, de pouco importará para a vida em geral do reino em que a
aventura se passa – embora já seja um passo importante para o início da
pretendida fama que o grupo almeja. O que desejo salientar aqui, é que em
períodos de guerras, uma série de fatores estarão agindo ao mesmo tempo, e as
ações dos personagens dos jogadores serão de grande importância para uma região
em si, salvando centenas ou milhares de pessoas, ou até mesmo para todo o
mundo!
Em aventuras locais, como citamos mais acima, as
comunidades da região do vilarejo atacado pouca importância dariam ao feito dos
personagens, pois o problema em nada afeta seu cotidiano e não mudará o futuro
de sua existência, pelo menos em curto prazo. Por outro lado, em uma guerra,
todos estão de alguma forma envolvidos, e tem um lado á defender no conflito.
Em períodos como este, muito se tem a ganhar ou perder, e a vida de todo um
mundo pode ser alterada. Um simples camponês pode virar um rei, e um nobre pode
se tornar um reles prisioneiro de guerra. A dinâmica do cenário é tanta, que
mesmo estar neutro no conflito pode significar perigo. Torne claro aos
jogadores que as ações do cenário não dependem unicamente deles, e que a guerra
acabará envolvendo à tudo e a todos.
Agora começou a porrada! |
Um caso que exemplifica bem situações que podem
ocorrer em períodos de guerra e culminarão na salvação de muitas vidas,
tornando a fama dos heróis ainda maior que em uma simples aventura local, se
passou em uma campanha que joguei algum tempo atrás. Tratava-se de um jogo de O
Senhor dos Anéis. O grupo estava envolvido em um conflito entre vários clãs
tribais das Terras Pardas. Um dos clãs, aliados dos personagens, era benévolo e
defendiam a permanência das tribos em suas próprias terras, ao contrário dos
inimigos, aliados de Saruman, que almejavam atacar o norte e conquistar suas
cidades. Pois bem, os aventureiros descobriram que o líder da tribo inimiga
teria forjado uma aliança com uma poderosa horda de orcs que certamente traria
a vantagem necessária para a vitória contra os aliados do grupo. Em um ato de
estratégia, os personagens interceptaram os guerreiros que levavam o pagamento
exigido pelos orcs para lutar ao lado das tribos inimigas, derrotaram-nos e
impediram que a aliança fosse firmada, já que os orcs se sentiram traídos por
não receberem o pagamento exigido. Qual o saldo disso? No conflito final as
tribos que estavam ao lado do grupo ganharam a guerra e impediram que esta se
espalhasse pelo Norte, despreparado e alheio à ameaça que os cercava. Ou seja,
um ato de pura estratégia acabou salvando inúmeras vidas e dando a vitória ao
lado merecedor!
Este exemplo traz à tona um importante elemento que
deve estar presente em narrações situadas em tempos de guerra: o uso da
estratégia e inteligência para se vencer no final. Afinal, conflitos envolvem
bem mais que combate simplesmente. Diplomacia, enganação e influência, são
armas, em certos casos, ainda mais perigosas que o fio da espada. Um caso claro
disso, em termos de literatura, é o conflito travado no primeiro volume da saga
As Crônicas de Gelo e Fogo, intitulado A Guerra dos Tronos. Na trama do livro,
a guerra inicialmente é abordada em um aspecto bem mais profundo e complexo que
o simples conflito maniqueísta apresentado na obra de Tolkien, por exemplo. As
batalhas são puramente travadas através de traições, jogo de influência,
assassinatos furtivos e ameaças. Em situações como estas, valores
tradicionalmente ligados à guerra, como honra e coragem, são deixados de lado
e, ainda por cima, vistos como desvantagens. Avaliando desta forma, se torna
claro que não serão somente os guerreiros que terão vantagens diante de
situações de conflitos. Ladinos com sua habitual lábia, clérigos com sua
serenidade e obstinação ou magos e seu vasto conhecimento, podem ser vitais
para a vitória, contanto que sejam usados com sabedoria e nas ocasiões certas.
É guerra até na taverna maluco! |
Como disse mais acima, a guerra envolve todo o
cenário em suas tramas e conflitos, diante disso, use a movimentação gerada
pelo embate para surpreender seus jogadores. Afinal, a vitória pode ser obtida
bem mais que simplesmente vencendo o combate armado. Nobres podem lutar por
mais servos, influência, tesouros ou pelo próprio reino, enquanto aventureiros
buscam fama, vingança e riquezas. Para isso, nem sempre irão agir conforme seus
habituais costumes. Outro exemplo interessante que posso citar, é referente a
trama que criei para minha campanha de Tormenta RPG. Nela, uma região de
Tyrondir vem sendo conquistada por um impiedoso cavaleiro. Nobres locais vêm
resistindo ao domínio, embora sem sucesso, mas alguns deles aceitam a conquista
por esta lhes beneficiar de alguma forma. Além disso, o atual rei tem se
demonstrado fraco em sua tentativa de defender o reino das invasões goblinóides
ocorridas no sul. Diante disso, uma parcela dos aldeões enxerga com simpatia a dominação
por parte de alguém forte que possa defender suas terras contra um inimigo
maior. O importante disso é a rede de interesses formada em torno dos
personagens. No caso, eles decidiram defender as terras do conquistador, mas
acabaram sendo traídos por um nobre local que deveria ajudá-los em sua luta.
Bem dentro do que foi dito mais acima, guerras envolvem interesses bem mais
complexos que a simples vitória militar, e, mesmo que seja por motivos nobres,
traições são algo bem mais comum que se imagina em meio a conflitos.
Os objetivos do grupo dentro, deste contexto, não
irão se limitar somente ao ato de lutar nas longas fileiras militares. As
aventuras situadas entre grandes conflitos podem ser os mais variados
possíveis, e até mesmo, ir de encontro com seus ideais. Imagine o paladino da
justiça tendo que sequestrar uma indefesa criança para barganhar contra o lorde
maligno, impedindo assim a invasão e morte de uma cidade inteira. Também são
muito interessantes missões envolvendo infiltração em áreas inimigas, onde,
além de observar os costumes do exército contrário, os personagens deverão ir
conquistando a confiança, ou se esgueirando em busca de informações, aos poucos
e com bastante cautela. Outra dica importante é, antes de iniciar a aventura,
ou campanha, tenha em mente todo o papel político militar da área em conflito.
Porque a guerra está ocorrendo? Quais os principais realizadores desta? Quem
são os aliados e inimigos de cada lado? Tudo isso já inspira a confecção de
dezenas de aventuras possíveis. Existe uma arma que pode desbalancear a guerra?
Ou alguém capaz de deter as batalhas e promover a paz? Estes são apenas alguns
de uma série de questionamentos que devem ser levantados quando se trata de uma
narração deste aspecto. Quanto mais elementos estiverem claros, mais verossímil
será o cenário de campanha e seriedade da aventura. Também vale lembrar que
guerras são devastadoras, e nunca passam sem deixar grandes perdas para trás.
Faça questão de evidenciar isto aos jogadores. Um parente, ou mestre, pode
morrer ou ser capturado pelo lado inimigo, pessoas podem ser encontradas
vagando sem rumo por terem sido atacados repentinamente. Torne claro que a
morte, sofrimento e traumas são o único saldo permanente de uma guerra,
independente de seu resultado final.
Só tome cuidado para não despertar o que não pode enfrentar, hein?! |
Então, aventureiros, estas são apenas algumas dicas
para se narrar em tempos tão conturbados e desafiadores quanto nas épocas de
guerra. Lembrem-se bem de algumas destas sugestões e vocês irão passar por elas
como lendas ou bem mais ricos e influentes do que começaram. E por fim, tenha
em mente que a espada pode não ser a mais letal das armas…
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