Desde o lançamento do famigerado Dungeons &
Dragons 4ª edição no Brasil, se criou uma grande discussão em torno de
determinadas características básicas do RPG. Antes de tratar propriamente sobre
estes conceitos mais ligados aos jogos de interpretação, vale ressaltar que o
objetivo aqui não é defender/ofender determinado sistema ou ambientação, mas
levantar questionamentos sobre o que é realmente importante na construção das
narrativas, aplicando nestas as características do estilo adotado no cenário de
campanha. Como exemplo central escolhi o jogo citado acima, pois a mudança em
suas regras trouxe à tona perguntas e acusações, muitas vezes infundadas ou
baseadas unicamente na falta de conhecimento, que valem à pena serem analisadas.
Desta forma podemos avaliar como aplicar determinadas propostas na ambientação
escolhida para sua campanha ou aventura.
A acusação mais freqüente dirigida ao Dungeons &
Dragons 4ª edição é em relação ao uso de miniaturas em sua mecânica básica, especialmente
no combate. Para algumas pessoas, utilizar estes acessórios na mesa de jogo
desviaria o foco da interpretação, transformando a partida em um jogo de
tabuleiro (wargame). Entretanto, fica difícil aceitar este tipo de acusação em
relação ao jogo, quando o próprio RPG foi criado desta forma, utilizando jogos
de tabuleiro como base. Muitos levantam a bandeira que a edição anterior de
D&D era verdadeiramente interpretativa e representava em essência o gênero
fantasia medieval. Algo visto de maneira bem superficial, claro. Quem não
chegou a jogar até mesmo o antigo AD&D com miniaturas, principalmente de
papel. Acho que determinados questionamentos são levantados pela falta de
análise da proposta dos jogos. Por exemplo, no início dos anos 90, Vampiro: a Máscara
trouxe uma grande revolução ao RPG e à maneira como os jogadores se comportavam
na mesa. A interpretação agora deveria ser plena, graças ao estilo do cenário
denominado punk-gótico. O estilo era centrado no horror pessoal, onde seres
amaldiçoados sofriam com sua condição inumana e a adaptação ao novo mundo,
sombrio e sem esperança.
Alguma dúvida sobre qual opção o rei escolheu?! |
Agora seja sincero, quantas vezes você participou de
uma narração deste cenário onde o horror pessoal predominou? Na grande maioria
das vezes o clichê era o mesmo “Vocês são convocados pelo príncipe da cidade
para realizar uma missão para ele”. Não por coincidência algo bem parecido com
o mesmo fator recorrente nos cenários de fantasia “Vocês estão na taverna e são
convocados pelo lorde local para cumprir uma aventura”. Cheguei a ver em muitas
ocasiões, partidas de Vampiro bem mais ao estilo Mutantes & Malfeitores.
Personagens agindo em público como verdadeiros super-heróis deixando a Máscara,
tema central do cenário, literalmente no lixo! Agora me digam a verdade, isso é
jogar certo Vampiro: a Máscara? Não. Então estão jogando errado? Não também.
Jogar RPG significa se divertir, e se os jogadores estão se divertindo, eles
estão jogando certo! O que poderia ser visto como errado neste contexto foi a
escolha do cenário para ambientar as ações dos personagens.
Dungeons & Dragons sempre foi um jogo voltado
para heróis vencendo monstros. O combate é essencial neste cenário e para
organizar melhor o conflito as miniaturas sempre foram acessórios quase
essenciais, e por isso vem sendo usadas há décadas. Acima, disse que as
acusações a este jogo são infundadas pela falta de conhecimento e isso pode ser
provado por um simples fato: o Guia do Mestre do D&D 4ª edição é o melhor
já escrito para o jogo desde sua origem. Por que, pois ele dá dicas preciosas
sobre como o mestre deve se comportar em diversas situações da mesa de jogo, e
adaptar determinados fatos ao comportamento de diferentes jogadores. Sem dúvida
é um guia de imensa ajuda para mestres de qualquer cenário.
Foi muita lábia e porrada pra chegar até aqui! |
Agora vamos a mais uma pergunta, porque um livro
destinado ao narrador seria tão completo e com tantas dicas sobre interpretação
seria destinado à um jogo acusado de ser mais um wargame que um RPG? Pegando
como gancho o que falei mais acima sobre Vampiro: à Máscara, respondo: o que
faz um jogo mais interpretativo ou não é o mestre e o grupo que irá jogar
determinado cenário. Se os jogadores não gostam de interpretar e adoram
construir personagens super poderosos e que não estão nem ai para horror ou
algo do tipo, o Mundo das Trevas de Vampiro vai acabar descaracterizado por uma
escolha errada de ambientação. Da mesma forma D&D pode, e deve, ser
interpretativo, com os personagens tendo backgrounds complexos e com vários
ganchos para a campanha, porém cabe aos mestres e jogadores compreenderem que
isso é necessário se for tornar o jogo mais divertido. A mecânica do combate
utilizando miniaturas é necessária neste jogo, porém, não elimina a
interpretação ou a imaginação dos jogadores, a menos que estes assim desejem.
Pelo contrário, elas só enriquecem o contexto do jogo, assim como uma música
para dar um clima, ou um mapa para demonstrar as dimensões de determinado
ambiente. O que deve ser compreendido é que determinadas regras são necessárias
para que o jogo flua rápido sem danos à diversão do grupo. Então, o
comportamento dos jogadores e mestres em relação à proposta do cenário não
descaracteriza o mesmo em essência, mas não criam abertura para que este seja
nomeado por uma coisa que não o é.
Uma boa interpretação pode render um exército de guerreiros para você. |
Em resumo, conheça o seu grupo e adote para ele o
jogo que melhor irá diverti-los. E não se esqueça de adotar um cenário
compatível com seu gosto pessoal e que você tenha certeza que pode mestrar sem
descaracterizá-lo, fazendo com que outras pessoas criem uma impressão errada ou
preconceito com determinado sistema ou ambientação por um mau uso do mesmo.
Cada um tem todo direito de não gostar de algo, mas pelo menos baseie sua
opinião com argumentos reais e bem embasados, e não em opiniões de terceiros ou
em uma experiência mal sucedida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário