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quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Resenha: Dust Devils


Lançado no Brasil em agosto de 2012 pela Redbox Editora, Dust Devils veio suprir uma grande carência do mercado nacional: jogos com temática western. Tivemos sim incursões anteriores neste sentido, mas nada que tenha, até hoje, tido a relevância que este jogo obteve em tão pouco tempo em terras tupiniquins. Criado em 2002 por Matt Snyder em homenagem aos antigos filmes de velho oeste, em especial o clássico Os Imperdóaveis (1992). Ao contrário de outros títulos como Deadlands ou Werewolf: The Wild West, Dust Devils não possui ligações, essencialmente, com elementos sobrenaturais. Pelo contrário, seu mote principal se concentra no drama e aventuras de personagens típicos da época, mais precisamente do século XIX no meio oeste americano: pistoleiros, dançarinas de salloon, xerifes, chefes indígenas, dentre diversos outros.

A edição nacional do jogo foi lançada em uma versão simples: livro tamanho A5 com miolo em papel couchê, 87 páginas e arte original de John Hodgson (capa) e Rob Anderson (interior); e uma versão luxo em caixa, vindo com um baralho exclusivo com design desenvolvido pelo Dan Ramos, 24 fichas de pôquer personalizadas e um cartaz de procurado. Dando minha opinião pessoal sobre o material gráfico, adquiri a caixa luxo do jogo e só posso parabenizar a editora pelo tratamento profissional destinado ao material como um todo.
O livro por si já merece todo os méritos; capa mole, mas bem resistente, e miolo com papel de muita qualidade. Mas os acessórios que compõe a caixa são simplesmente fantásticos, e o mais importante, úteis ao jogo, embora eu conheça mais de um narrador que, assim como eu, não vai usá-los na mesa de forma alguma, substituindo por cartas e fichas normais.

O sistema de regras baseado em mãos de pôquer – portanto usando cartas de baralho ao invés dos tradicionais dados – é mais um dos atrativos do jogo e sistema. É bem fácil se imaginar em um movimentado salloon de beira de estrada jogando em uma mesa repleta de foras da lei trapaceiros. Não se deve necessariamente saber jogar pôquer para rolar uma partida de DD, apenas memorizar as combinações de cartas, ou “mãos”, possíveis no jogo, pois elas constituem os pontos de dano e testes  para resolução de conflitos no sistema. Como uma mecânica baseada no jogo de cartas mais tradicional da história, não poderiam faltar as famosas fichas de apostas! Isso mesmo, elas também são usadas nas partidas e podem ajudar de diversas formas o jogador e o Crupiê (como é chamado o mestre em Dust Devils), inclusive, podendo serem aplicadas em apostas para que o jogador ganhe o direito de narrar uma cena da aventura, caso ele tire a mão mais alta da rodada!

Basicamente, ao se formar um conflito, seja ele um combate ou outra situação qualquer, o personagem anuncia ao Crupiê seu objetivo em uma frase, como “atirar no fora de lei” ou “pular do cavalo em movimento”. Ele e qualquer outro envolvido na cena anunciam seus objetivos, então as cartas são distribuídas de acordo com as Pontuações e Traços envolvidos (explicados mais adiante). As fichas podem ser usadas para se ganharem mais cartas, para se trocar cartas da mão, ou apostar para tentar ser o narrador da cena. A resolução do conflito se dá pela mão do jogador, se ele for maior que a de seu adversário, ele consegue realizar seu objetivo. Caso seja um combate a mão também define o dano causado.

Para mim, o ponto forte do jogo está relacionado a ausência de arquétipos pre-construídos para se jogar, as famosas classes, que tanto restringem a criatividade em jogos de fantasia, por exemplo. Embora tenha personas estabelecidas pelos tipos encontrados na época do velho oeste americano, a construção do personagem é regida não somente pela profissão, mas pelos acontecimentos que guiaram sua vida. A construção de personagem começa com o preenchimento de quatro pontuações: Punhos, que representa a força física e desempenho corporal, Visão, que se constitui na percepção e inteligência, Culhões, simbolizando o vigor e coragem; e, por fim,  Coração, representando o carisma e heroismo. Cada uma das pontuações é representada por um naipe do baralho, sendo: Punhos (Espada), Visão (Ouros) Culhão (Paus) e Coração (Copas). Esta relação é feita especialmente para se usar no dano causado nos conflitos. Ao se desferir dano em outro personagem, os pontos sofridos serão descontados destas mesmas Pontuações do alvo, ou do personagem caso ele seja atingido. Porém, quem irá determinar quais Pontuações serão prejudicadas, perdendo pontos, serão definidas pelos naipes da mão vencedora.

Por exemplo, se o personagem xerife de um dos jogadores ganhar uma jogada contra um bandoleiro que tentou roubar seu cavalo, com um Às de Espadas, o fora da lei perderá 1 ponto (determinado pelo sistema) em Punhos. Após investir 13 pontos nestas 4 Pontuações, o segundo será estabelecer 2 Traços, espécie de peculiaridade física ou mental do personagem. Os Traços em geral são definidos por uma comparação, como “mais duro que couro cru”, “escorregadio como uma enguia” ou “traiçoeiro como uma cobra”. Os Traços servem para adicionar cartas na mão do jogador, caso estejam envolvidas de alguma forma na cena, ou dar mais fichas, se o personagem for contra ele no conflito. Se personagem com um Traço “mais valente que um cão raivoso”  não reagir à provocações de um adversário, ele está agindo contra seu Traço e ganhará uma ficha, ao invés de receber uma carta adicional à sua mão.

Após definidos os Traços, o jogador deverá definir o Passado e o Presente, e distribuir 4 pontos entre eles. Geralmente estas duas nuances do personagem representam uma profissão ou estado social. Por exemplo, um pistoleiro (Passado) poderia facilmente se tornar um xerife (Presente), embora deva explicar muito bem como isso se deu. Estas duas características também podem ajudar a compor a mão do personagem, caso tenham alguma relação com o conflito enfrentado. Assim, um personagem com Advogado (3) receberia 3 cartas adicionais caso estivesse tentando intimidar bandoleiros, ameaçando a aplicação das leis do Oeste!

Por fim, o jogador deve estabelecer o Demônio, uma perturbação que atormenta o personagem e pode, em alguns momentos, atrapalhar mais ou menos as ações dele. Furioso, Egoísta, Assassino, Mentiroso, Vingativo, Alcóolatra, são algumas das infinitas possibilidades que podem ser escolhidas como Demônio pelo personagem. Entretanto, este é um aspecto que estará constantemente presente na vida do personagem, então não pense que irá escolher algo e ignorar depois. O Demônio, em DD, cobra seu preço. Em termos de regras ele pode tirar cartas da mão do jogador, ou adicionar, caso o personagem sucumba a ele. Porém, em termos de narrativa, ele pode por tudo a perder. A característica é dividida em 3 níveis, que equivale a intensidade de como o Demônio afeta o personagem.

Outro ponto marcante das regras em DD é equivalente à morte dos personagens. Caso alguma das Pontuações do personagem chegue a zero e tenha que usar ela para resolver um conflito, ele poderá fazê-lo, mas ao final da cena o personagem morrerá ou deixará a aventura. Neste momento ele pode escolher realizar um ato heróico, ou redimi-lo, ajudando um companheiro. Neste momento, o personagem poderá usar suas fichas para causar mais dano ou recuperar Pontuações de um outro herói. O jogador pode adiar o fim do personagem evitando conflitos que necessitem da Pontuação zerada ou gastando fichas para sair da cena sem sofrer as conseqüências.

Embora seja considerado um livro pequeno, DD possui muita informação e um texto fácil e claro, que pode ser lido e internalizado em uma tarde. Além das regras de criação de personagens e da mecânica, ainda apresenta uma visão geral sobre o velho oeste americano, com suas peculiaridades e personagens típicos, além de dicas excelentes direcionadas ao Crupiê. O autor contempla o narrador com diversos aspectos de como conduzir e construir aventuras no velho oeste, privilegiando a narrativa e amarrando bem a fluidez do jogo com um sistema de regras rápido e bem aplicado. No fim, ainda estão presentes três ambientações que também utilizam o sistema aplicado em DD: Desejo de Matar, espionagem; Ronin, drama samurai; e Anjos de Concreto, tragédia urbana. Nestas três ambientações alternativas, percebemos nuances de como alterar o sistema para se adequar a diferentes ambientações e anseios dentro do jogo.

Narrei Dust Devils no primeiro final de semana após comprar a caixa de luxo do jogo e ter lido em uma tarde. Sempre fui péssimo em decorar regras e montar combos em sistemas mais complexos. Entretanto DD tem regras e ambientação, ao mesmo tempo, simples e completas, e se adequou muito bem ao meu estilo de narrar. A estrutura narrativista, que exige jogadores mais participativos e que gostem de interagir, e até mesmo criar em conjunto ao Crupiê, pode ser uma vantagem ou armadilha, dependendo das pessoas que estiverem participando da sessão.

Já na criação de personagem o mestre sente quem vai contribuir mais ou menos na trama, e pode incentivar aquele não muito familiarizado com jogos que privilegiem mais a ação que as regras. No meu caso tive muita sorte, pois os jogadores da minha mesa entraram bem no clima e contribuíram bem nas cenas narrativas. Uma dica que dou é não deixe as cartas nas mãos dos jogadores, recolha as cartas tão logo os conflitos sejam resolvidos. Deixá-las rodando na mesa pode atrapalhar a concentração, especialmente, quando os personagens destes jogadores não estiverem na cena. Não sei jogar pôquer – vergonhoso, eu sei – mas, como disse no corpo do texto, não se precisa necessariamente saber o citado jogo, mas apenas decorar as mãos que compõe as combinações possíveis. No próprio livro existem colas que ajudam quem desconhece a formação das mãos, e como gastar fichas ao longo dos conflitos. Outra dica que ajuda muito é fotocopiar o material de apoio presente no livro ou imprimir esta parte do PDF original, e anexar à ficha de personagem. Contribui muito para a fluidez da narrativa.

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